O
presente texto propõe que o leitor siga por um dos caminhos que parte da
sociedade francesa utilizou para ajudar a substituir o seguimento político do
país, combatendo o regime monárquico, os gastos da nobreza, o clero e conseqüentemente
atingir o ápice com a Revolução Francesa.
Para
guiar a viagem pelo caminho que proponho é fundamental salientar uma questão: Como
a burguesia participou do processo revolucionário que culminou na sua
ascendência ao poder?
Creio
que essa análise é de suma importância, pois, sabe-se que a Revolução Francesa
foi uma revolução burguesa, contudo, geralmente o foco é dado para o “povo”
francês nesse processo. Talvez essa notoriedade dada ao povo francês venha
através do fato revolucionário e radical que este deu a todo o processo, porém,
é válido lembrar que para estabelecer um novo governo seria necessário deter um
plano político coerente, mas, acima de tudo, um embasamento teórico e ideológico
forte. A Burguesia detinha tais prerrogativas e apenas precisava de um contexto
a seu favor para que conseguisse triunfar e isso ocorreu. Estudando (mesmo que
breve) essa classe (burguesa) podemos entender os motivos que fizeram com que a
mesma ascendesse ao poder.
Para
responder tais questões e esclarecer as razões da classe burguesa irei analisar
artigos através da internet, documentários e livros relacionados sobre o
assunto.
Antes
de entender a burguesia na sociedade francesa e como ela alterou seu status no âmbito social seria
interessante observar o “nascimento” dessa classe, que, através dos tempos evoluiu
a tal ponto que conseguiu atingir seus objetivos.
A
burguesia surgiu na Idade Média. No sistema feudal a terra consistia como a
maior riqueza, logo a sua produção principal era inclinada a sociedade rural
(contrária ao sistema capitalista que tem como seu principal núcleo as regiões
urbanas). As cidades eram vistas como áreas secundárias na Idade Média e sendo
assim, eram submissas ao campo. Mas eram nessas áreas secundárias que se organizavam
os artesanatos (locais onde eram feitos instrumentos utilizados na área rural).
O fortalecimento desses artesanatos impulsionou o desenvolvimento das Guildas e
fomentou a atividade mercantil (que é o princípio para o acumulo do capital).
Tais atividades eram realizadas fora dos muros dos castelos e organizadas
geralmente em moldes de feiras de troca. Essas cidades onde eram organizadas as
feiras ficaram conhecidas como Burgos, logo, quem morava nessa cidade era
denominado burguês. Na medida em que o burguês começou a reunir esse capital
primórdio utilizou-o na sua produção. Esse processo viria a desenvolver
futuramente a indústria e a mobilidade do eixo rural para o eixo urbano após a
queda do sistema feudal que viria a ser substituído pelo sistema capitalista.
Toda classe revolucionária, como a burguesia
e o proletariado, são revolucionárias porque são capazes de elaborar e pôr em
prática um projeto social novo, isto é, trazem em si a possibilidade de
realização de uma nova sociedade. No caso da burguesia, o liberalismo,
produzido pelos filósofos iluministas, seria o projeto, e a instauração da
sociedade burguesa e capitalista, a realização. (FLORENZANO, 1991, p.8)
A
partir de agora, iremos verificar como a classe burguesa agiu na sociedade
francesa. Vamos procurar focalizar mais precisamente no século XVIII. A França
detinha uma das mais antigas monarquias absolutistas do continente europeu. A
burguesia necessitava de reformas econômicas e políticas a seu favor para
conseguir perpetuar a expansão da própria classe, tendo em vista que os
privilégios eram dirigidos ao Clero e a Nobreza que eram sustentados pela
monarquia absolutista. Quando Turgot assumiu como primeiro-ministro (1774-1776)
tentou introduzir um programa que beneficiaria os interesses da classe
burguesa. Entre as propostas defendia o uso da terra com máxima eficácia, livre
comércio, um padrão administrativo nacionalmente coeso, igualdade social em
prol do desenvolvimento da França. Obviamente que a classe dominante do período
iria ser prejudicada com tais reformas, sendo assim, esse programa viria a ser
impraticável. O plano era incompatível com os propósitos da monarquia
absolutista déspota e com a aristocracia. A burguesia percebeu que uma reforma
em doses homeopáticas não seria possível e viu no poder monárquico seu
principal rival na luta de prosperar econômica e politicamente na sociedade
francesa e passou para uma construção de uma futura coesão social a confiança
de atingir seus objetivos. O historiador
Eric Hobsbawm analisou a tentativa da execução das reformas promovidas por
Turgot na sociedade francesa:
Na França elas fracassaram mais rapidamente
do que em outras partes, pois a resistência dos interesses estabelecidos era
mais efetiva. Mas os resultados deste fracasso foram mais catastróficos para a
monarquia; e as forças da mudança burguesa eram fortes demais para cair na
inatividade. Elas simplesmente transferiram suas esperanças de uma monarquia
esclarecida para o povo ou a “nação”. (HOBSBAWM, 1979, p.101-102)
Em
vista a situação a qual estava submetida, a burguesia, visando uma maior
participação política e consequentemente uma consolidação econômica, apoiou-se
em um movimento filosófico que ganhava força na Europa (principalmente na
França) que serviria de base para a Revolução Francesa, tal movimento era
denominado Iluminismo.
Desde
o período medieval a base ideológica para a monarquia absolutista era promovida
pela Igreja Católica. Era a Igreja que “validava” a figura do Rei como “divina”.
Se a burguesia ansiava por modificações (sejam sociais ou econômicas) esses
paradigmas deveriam ser modificados. O movimento ideológico Iluminista serviria
para substituir a validação católica e autenticar o modelo proposto pelo
Terceiro Estado (lembrando que o Terceiro Estado era composto pela alta, média,
pequena burguesia, camponeses e trabalhadores das cidades ou Sans-culottes. Contudo, a burguesia foi à
grande beneficiada na Revolução justamente por deter um plano político e
econômico para modificar a sociedade francesa do período).
Na
Revolução Inglesa já se abria a possibilidade de governar uma sociedade sem a
figura do Rei (Republica Cromwell), inclusive, a personificação divina
encontrada no Rei caiu por terra quando os parlamentares derrotaram os absolutistas.
Posteriormente julgaram e executaram o Rei. Dessa contestação nascia o
pensamento iluminista através de John Locke, que assistiu o período da Guerra
Civil entre o Parlamento e a Monarquia. A ideologia iluminista viria ser
justamente uma crítica ao modelo social vigente. Uma crítica a Igreja (pelas
explicações míticas e validação da monarquia absolutista), ao Estado despótico
(que era considerado divino e isso justificava suas intervenções políticas e
econômicas), a sociedade (que era engessada e designada pelo nascimento). Em
contrapartida as críticas, o movimento intelectual iluminista pregava uma busca
pelo conhecimento através da ciência, uma desmistificação, um racionalismo.
Buscava também uma maior participação da sociedade frente ao Estado e pregava o
Liberalismo (Político através do voto, econômico por defender a não intervenção
do Estado na economia e social através da igualdade dos homens pelo
nascimento).
Além
do alicerce Iluminista, outras frentes contribuíram para que a burguesia
atingisse o seu objetivo, como:
A
questão política. Havia um despotismo por parte da monarquia e o Rei era visto
como de linhagem divina. Privilégios para o Clero e Nobreza;
A
crise econômica. Más colheitas e dificuldades para a obtenção de alimentos
geraram grandes fomes para as classes mais pobres. Havia também os gastos
excessivos com a manutenção dos exércitos que lutaram na Guerra dos Sete Anos e
pela Independência dos Estados Unidos. E mais, também existiam os gastos da
corte com suas festas e manutenção dos Nobres;
Desnível
econômico e consequentemente social. Somente o Terceiro Estado sustentava a
máquina monárquica (incluindo os Nobres) e o Clero;
Aliás,
foi a partir desse desnível tributário que originou o início da Revolução
Francesa. Luís XVI viu que apenas a contribuição do Terceiro Estado não era
suficiente para conter a crise econômica, por isso, convocou a Assembléia dos
Notáveis (onde Clero e Nobreza faziam parte) com o intuito de estender as
cobranças ao Primeiro Estado (Clero) e Segundo Estado (Nobreza). Ambos
negaram-se a contribuir com a monarquia, então, a solução era o aumento da
carga tributária ao Terceiro Estado. Então Luís XVI convoca a reunião dos
Estados Gerais (reunião dos três Estados). De nada adiantaria para o Terceiro
Estado sua inclusão, pois, o Clero e a Nobreza possuíam um voto cada contra um
voto do Terceiro Estado. Sendo assim, o Primeiro e o Segundo Estado poderiam
fazer alianças para derrotar o Terceiro Estado (que representava um voto). O
Terceiro Estado exigia frente ao rei que os votos fossem contabilizados
individualmente, assim, teriam como articular alguma manobra para obterem uma
voz “ativa” na reunião. Como isso não ocorreu, em 9 de Julho de 1789 o Terceiro
Estado (com apoio do baixo Clero) proclamou a Assembléia Nacional. A Revolução
havia começado.
Logo
após a fundação da Assembléia Nacional, em 14 de Julho de 1789 a Bastilha
(símbolo do poder monárquico) é tomada pelos populares. E em tempos de
revolução a derrocada de símbolos existentes é marcante tanto para quem é
atingido quanto para quem atinge.
A
Assembléia Nacional é classificada como a primeira fase da Revolução Francesa
(1789-1792). Nesse período há diversas tentativas de restabelecimento da
monarquia absolutista, já que nesse período a monarquia na França passou a ser
parlamentarista (o Rei não governava politicamente). É aprovada a separação dos
poderes e uma nova constituição. Os direitos feudais foram erradicados por
completo. Outro fato marcante (fora a tomada da Bastilha) foi a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão. Uma “cartilha” contra a sociedade nobre francesa
que estava estabelecida até então. Através do que frisou Eric Hobsbawm podemos
observar que a burguesia queria derrubar os privilégios da sociedade monárquica
absolutista, contudo, a mesma burguesia queria apenas nivelar as camadas da
sociedade e com isso, jamais igualaria as coisas. Segue o trecho em questão:
Este documento é um manifesto contra a
sociedade hierárquica de privilégios nobres, mas não um manifesto a favor de
uma sociedade democrática e igualitária. “Os homens nascem e vivem livres e
iguais perante as leis”, dizia seu primeiro artigo; mas ela também prevê a
existência de distinções sociais, ainda que “somente no terreno da utilidade
comum”. A propriedade privada era um direito natural, sagrado, inalienável e
inviolável. (HOBSBAWM, 1979, p.106)
Fica
claro que após derrotar a monarquia a burguesia já visava uma distinção
“privada” dentro da sociedade que viria a ser estabelecida na França
revolucionária. Surgiram grupos políticos (divergências entre o Terceiro Estado
causaram rupturas), entre estes se destacam os Girondinos (moderados, alta
burguesia) e os Jacobinos (radical e pequena burguesia com influência direta
dos Sans-culottes). Como foi citado houve movimentos para restabelecer a
monarquia absolutista inclusive com intervenção estrangeira (principalmente
pela Prússia e Áustria), por esse motivo, o Rei foi acusado de traição e preso (por
solicitar apoio estrangeiro para retomar o poder e por tentar fugir para
Áustria). A Assembléia Nacional convoca novas eleições para constituir a
Convenção Nacional
A
Convenção Nacional (1792-1795) marca a segunda fase da Revolução Francesa.
Época de grande relevância na Revolução, pois, é nela em que há o período mais
radical o período do Terror (pela perseguição política do que o partido impôs
na França a todos que eram contra o governo) e o Grande Medo (revolta dos
camponeses para com seus senhores onde ocorreram diversos assassinatos).
A cada dia, em Paris, há violências,
pilhagens, assassinatos, obsessão por um “complô aristocrático” e pela chegada
de um exército conduzido pelo conde de Artois. Os burgueses se escondem, e os
mais corajosos patrulham na milícia da Guarda Nacional, mas quase sempre são
impotentes para proteger aqueles que o povo quer punir, sem julgamento. Esta
“febre agita toda a França”, escreve o livreiro Ruault. “Isso não deve
surpreender, mas sim assustar. Quando uma nação se vira da esquerda para a
direita, para ficar melhor, esse grande movimento não pode acontecer sem dores
e sem os gritos mais agudos.” Em todo o país, reina o Grande medo. (GALLO,
2012, p.158)
Nem
mesmo Luís XVI escapou da execução, acabou parando na guilhotina junto com a
Rainha Maria Antonieta após serem julgados.
Aprovou-se uma nova constituição (a mais democrática em toda a Europa) e
foi fundada a república jacobina. O líder dos jacobinos ou partidos da pequena
burguesia (que estavam no poder nesse momento) é Maximilien Robespierre. Nessa
fase a escravidão foi abolida das colônias (Haiti se tornou independente),
ocorreu um tabelamento de preços (o que beneficiou as classes mais baixas) o
que descontentou os girondinos. A intervenção econômica e o radicalismo
descontentavam a oposição conservadora. O golpe de Termidor pôs fim à república
jacobina e iniciando a terceira e última etapa da Revolução: O Diretório.
O
Diretório (1795-1799) foi de certa maneira uma contrarrevolução. Os Girondinos
(alta burguesia) assumiram o poder e modificaram as ações dos jacobinos.
Restabeleceram a escravidão, modificaram a medida de tabelamento dos preços e
elaboraram uma nova constituição (elegendo um diretório para executar o poder
executivo formado por cinco pessoas e modificado a cada cinco anos). Houve uma
perseguição aos jacobinos, denominado Terror Branco. Mas, apesar de tomarem o
poder, os girondinos encontravam forte oposição pelos próprios jacobinos e pelos monarquistas. Nesse período a França
encontrava-se em guerra (contra a Espanha, a Prússia, a Inglaterra) e
destacava-se certo general que atendia pelo nome de Napoleão Bonaparte. Com as
guerras a França sofria uma grande inflação consequentemente haviam revoltas
populares devido a crise econômica. Pelo que já foi citado percebe-se a grande
instabilidade política que sofria o governo do Diretório. A burguesia viu na
figura de Napoleão (que era muito prestigiado pelo povo) a saída perfeita para
realizar a sua manutenção no poder. Napoleão realiza o golpe que ficou
conhecido como 18 Brumário depondo o Diretório, chegavam ao fim a Revolução
Francesa e consolidava-se o poder político e econômico nas mãos burguesas.
Conclusão:
Em
vista dos pontos destacados no texto procurei apontar o caminho trilhado pela
burguesia para chegar o poder na França. Vimos alguns aspectos relevantes no
período pré Revolução incluindo as divergências entre a burguesia e o Estado
Absolutista que resultou em uma total aversão entre a burguesia e a monarquia.
O modelo ideológico criado para tentar modificar radicalmente a sociedade. Durante
a Revolução a Francesa houve particularidades que jamais ocorreu em outro movimento
até então. Iniciou-se uma espécie de nacionalismo primitivo, o poder foi desde
o extremo radicalismo até mesmo ao caráter contrarrevolucionário. Napoleão foi
a saída para a burguesia não perder o controle da situação. A Revolução triunfou e não pelo fato em si de
ter derrubado as paredes da monarquia absolutista e varrido qualquer resquício
de sociedade feudal ainda incrustado na sociedade francesa, mas também, por
servir de modelo para o mundo que, sim, se houver mobilização em torno de uma
causa é possível realizar uma Revolução.
Fontes da Internet:
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Demerval. O Trabalho Como Princípio
Educativo Frente As Novas Tecnologias. Faculdade: UNICAMP.
DE
MELO, Vico Denis, DONATO, Manuella Riane. O
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– 263.
DALBOSCO,
Claudio Almir. O Iluminismo Pedagógico
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GONÇALVES,
Bruno Tadeu Radtke, BERGARA, Paola Neves dos Santos. A Revolução Francesa e Seus Reflexos Nos Direitos Humanos. Faculdade:
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MONLEVADE,
Danilo. Revolução Francesa. Colégio
Notre Dame de Lourdes.
DA
ROSA, Ismael Valdevino, TABORDA, Luana do Rocio, DA SILVA, Peterson Roberto. As Transformações do Poder Político na
Revolução Francesa. Universidade: UFSC. 2011.
LOWY,
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Permanente em Marx e Engels. CNRS, Paris, p. 129 – 151.
Fonte do documentário (You
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SHULTZ Doug, SIO Hilary, EMIL Thomas.
The French Revolution. Produção:
Partisan Pictures, History Television, Network Productions. AGE
Television Network, 2005. Reprodução: History Channel
Referências Bibliográficas:
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Era das Revoluções: 1789 – 1848. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 97 –
131.
FLORENZANO, Modesto. As Revoluções Burguesas. São Paulo:
Brasiliense, 1991, p. 7-14.
GALLO, Max. A
Revolução Francesa, volume I: o povo e o rei (1774-1793) / Max Gallo;
tradução de Júlia da Rosa Simões. – Porto Alegre: L&PM, 2012, p. 158 - 159.
Por:
Lúcio Nunes